sábado, 15 de novembro de 2014

Conto #0010

DÉCIMO PÁSSARO
BERNARDINO

Na casa dos parentes de minha mãe eu não me sentia nada confortável. Era apenas um bando de estranhos que eu via uma vez ao ano. Quando eu ainda não sabia que ela não era minha mãe biológica, nós passávamos os natais na casa de sua irmã mais velha, minha tia.
O filho dela, meu primo, costumava passar o fim da tarde no telhado da casa.
- Você é chato. Suba aqui.
- Minha mãe vai brigar comigo.
- Está com medo?
- Não quero que minha mãe brigue comigo.
- Seu mariquinha!

domingo, 9 de novembro de 2014

Conto #0009

NONO PÁSSARO

MARGARIDO


Ele era um primo do meu suposto pai e conhecia minha suposta mãe. Ele era o vendedor de vidas.
Na sexta série, na volta da escola, eu voltava com minha amiga que morava perto de casa, nós passávamos por um petshop. De vez em quando nós entrávamos e ficávamos vendo os peixes do aquário, os coelhos, os hamisters, e os pássaros coloridos nas gaiolas. De vez em quando também tinha alguns cachorrinhos à venda.
Um dia cheguei a pensar que era estranho as pessoas venderem coisas vivas. Pensei no dono daquele petshop como um vendedor de vidas.
Essa amiga gostava de ficar olhando os animais e quando tinha oportunidade dava carinho neles. Ela conversava bastante com os outros, diferente de mim. Eu não gostava de falar com estranhos. Naquele momento a voz nem saia. Eu só observava. Eu só ficava ouvindo a conversa. Eu sorria embaraçado.
Ela conseguia conversar com aquele homem tão naturalmente. Começava a achar aquele homem um sujeito um tanto esquisito.
- Você é um garoto muito estranho. Por que você é tão quieto?

sábado, 18 de outubro de 2014

Conto #0008

OITAVO PÁSSARO

ADÉLIA*


Uma colega de escola que conheci que achava que nunca mais a veria, acabei vendo ela outra vez. Uma última vez. Morta. E que visitaria alguns dos meus sonhos por duas vezes naqueles meses seguintes.
A notícia tinha sido dada por uma professora de inglês. Nós estávamos agora na oitava série.
Eu me lembro de algumas coisas da quarta, quinta, sexta e sétima séries.
Ela tinha mudado de casa outra vez. Antes de se mudar de escola ela morava perto da minha casa a umas duas quadras. Isso foi a partir da sexta série. Antes ela morava numa rua perto da nossa escola.
Tive muitas boas lembranças com ela. Ela adorava animais. Tinha duas gatas e uma cachorra. Já não lembro mais o nome delas. Também não lembro o nome da mãe e nem das duas irmãs mais velhas dela. Nem lembro direito se havia apenas só duas irmãs, mas ela falava de um padrasto e irmãos por parte de pai. Também não me recordo mais o que ela queria ser quando crescesse. Quais seriam seus planos para o futuro. Eu não lembro disso direito, só lembro que as notas dela não eram boas e que ela tinha que frequentar as aulas de reforço.

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Conto #0007

SÉTIMO PÁSSARO

ROBERTO


O colega de classe que soquei na quarta série por ter me irritado era meu amigo. Se ele era meu amigo, por que eu bati nele? Porque ele era meu amigo. Era.
Depois daquele dia nós não conversamos mais. Deixamos de nós falar diretamente. Tudo por causa de uma redação cujo tema era o nosso futuro.
Ele me xingava. Eu não respondia. Ele falava mal de mim para os outros. Eu não falava nada. Meu silêncio o irritava. E o que me irritou nisso tudo não foi só ele, mas tudo.
Quando cheguei ao meu limite me vi direcionando toda a minha força no meu punho direito direto na cara dele. O golpe fez com que ele caísse. Por pouco não bateu a cabeça. Antes que ele se levantasse para me bater a professora me puxou de lado pelo braço e me repreendeu.
Eu nunca tinha brigado antes. Nunca tinha batido assim em alguém. Também nunca tinha sentido tanta raiva na minha vida.

sábado, 1 de fevereiro de 2014

Conto #0006

SEXTO PÁSSARO

SAMANTHA


Uma mulher jovem, de cabelos castanhos, longos e lisos. Silhueta esbelta, rosto delicado, parada agora no corredor olhando surpresa para um único rapaz.
Era a minha professora da quarta série.
O tema era: “O que você quer ser quando crescer?”
Foi ela quem tentou me desmotivar a seguir meu sonho.
- Eu quero ser um pássaro.
- Isso é impossível meu bem.

domingo, 26 de janeiro de 2014

Conto #0005

QUINTO PÁSSARO

CANDIDO


“Quando estiver se sentindo deprimido olhe para a imensidão do céu.” Que frase barata de livro de autoestima! Há quase cinco minutos aquele moço está olhando para cima com uma cara abobada. O que será que ele está olhando?
Paro ao seu lado e também olho para cima numa tentativa de imitá-lo. Daqui a pouco outras pessoas que estão passando pela rua também olham para cima, mas não param para olhar, continuam o seu caminho.
Ouço alguém falar de algum lugar:
- Mas o que é que aqueles dois estão olhando?
Com essa frase o moço desperta de seu estado e percebe que estou ao seu lado. Ele me pergunta:
- O que tem naquela janela?
Estávamos em frente a um pequeno prédio residencial.

domingo, 19 de janeiro de 2014

Conto #0004

QUARTO PÁSSARO

KLEBBERSON OLIVERT


Eu havia procurado por um certo homem aos meus nove anos e acabei encontrando por ele: meu pai. Meu suposto pai, ex-namorado da minha suposta mãe.
Assistia na TV que algumas crianças tinham um pai. Só queria saber se seria bom ter um. Então naquela época eu decidi procurar pelo meu pai. O pequeno problema é que eu não sabia quem ele era. Podia ser qualquer um.
Qualquer homem por aí podia ser meu pai.

sábado, 18 de janeiro de 2014

Conto #0003

TERCEIRO PÁSSARO

REBECCA


Eu estava em frente a uma casa velha. Tinha um tom rosado nas paredes, apesar delas serem pintadas de verde. A pintura estava descascando. Eu conseguia ver um rosto formado naquela parede.
Era a casa da minha suposta avó.
Suposta, já que eu tinha uma suposta mãe.
Não sei em quem confiar. Por que ela me disse tudo aquilo agora? Não dava para esperar eu completar dezoito anos? Ela já tinha guardado segredo por quatorze anos. Só faltava mais quatro anos. Se eu quisesse podia ir embora com dezoito e eu iria conseguir me virar muito bem.
Quatorze anos é um pouco difícil.
Trinta e um também deve ser uma idade difícil.
E sessenta e nove também.
“Becca, Rebecca, levada da Breca!”

domingo, 12 de janeiro de 2014

Conto #0002

SEGUNDO PÁSSARO

KARINA KATARINA


“Se eu pudesse me livrar dessa dor...”
Dói só de lembrar. A segunda pessoa que coletei o nome também foi uma mulher. Na verdade, era ela quem deveria ser a primeira pessoa da minha lista. A mulher que me criou. Minha mãe.
Quando perguntei se eu poderia colocar o nome dela naquela lista, ela simplesmente me repreendeu e me mandou parar imediatamente com aquilo. Mas se você proíbe alguém de alguma coisa sem uma boa explicação, pode ter certeza que essa pessoa fará e ainda com mais afinco que antes.
Sim. Eu fiz. Não me arrependo de tê-la desobedecido. Afinal, era só um nome. Um nome escrito num pássaro de papel.

sábado, 11 de janeiro de 2014

Conto #0001

PRIMEIRO PÁSSARO

CALANDRA


O primeiro nome que coletei foi o dela. Nem era um nome inteiro. Faltava o sobrenome. Não fazia mal. As instruções eram vagas. Contando que eu coletasse estaria tudo bem. O feitiço com certeza iria funcionar e eu realizaria o meu desejo. Eu iria realizar um milagre.
Um belo sorriso no rosto. Eu estou sozinho, mas não estou sozinho. Há um monte de pessoas ao meu redor ao mesmo tempo em que não há ninguém. Eu preciso procurar alguém.

Volume 01: Nascido

INTRODUÇÃO

NASCIDO


Mil Pássaros
Mil Segredos
Mil Sofrimentos
Mil Nomes
Mil Sentimentos